Jerónimo Martins, Sonae e outras trouxeram-nos um indigno e repudiante número de ditadura
A administração do grupo Jerónimo Martins levou o dia do trabalhador à letra, e obrigou os seus funcionários a libertar sangue suor e lágrimas, para levarem a cabo a mais ingrata missão da história do Pingo Doce.
Não há adjectivos bastantes para qualificar a atitude dos responsáveis pelaquela cadeia de lojas.
Não está em causa o mérito da iniciativa, nem o seu resultado sob o ponto de vista do Marketing.
Em tempo de crise, uma promoção destas é sempre bem-vinda, porque permitiu às pessoas pouparem bastante dinheiro, com a vantagem de ela vir logo no dia 1, altura previligiada para a realização das compras mensais.
O problema está no timing da iniciativa, que para mim representa um sinal dos tempos muito preocupante.
Há muitos anos a esta parte, que o dia um de Maio é celebrado pelos trabalhadores em geral, sendo feriado em muitos países civilizados.
Em Portugal desde o 25 de Abril que é assim. Mas este ano, 38 anos depois, grandes grupos económicos como a Jerónimo Martins e a sonae decidiram que devíamos voltar ao tempo do antigamente, trabalhando neste dia.
E não me venham dizer que isto se deveu a questões económicas! É que se os clientes não fizessem as compras no dia 1, falo-iam no dia 30 de Abril, ou no dia 2 de Maio.
A par do simbolismo natural desta medida, temos o facto de os trabalhadores destas empresas serem quase que obrigados a trabalhar, e isto configura em minha opinião uma nova ditadura, pelo menos tão grave como a anterior.
Como é óbvio, os sindicatos nem falaram em greve, porque todos nós sabemos a aversão que existe nessas empresas para quem decide ser sindicalizado.
E creio que neste particular a liberdade individual dos trabalhadores se encontra amordaçada. Não tenhamos medo das palavras!
Se um trabalhador sabe que ao fazer greve no dia 1 de Maio, pode começar a cavar o seu despedimento, podemos falar em liberdade?
Claro que não, e o pior é que perante o estado actual quase nada podemos fazer.
O novo código do trabalho embaratece significativamente os despedimentos. Bem sei que as coisas não podiam continuar como antigamente, em que para um trabalhador ser despedido com justa causa, quase que era preciso ser apanhado a roubar em flagrante delito. Mas também não posso aceitar que o governo não tome medidas legislativas para proteger os mais fracos.
Espero sinceramente que para o próximo ano o governo proíba através de um decreto de lei que Pingo Doce, continente e outras grandes superfícies comerciais estejam abertas no dia 1 de Maio, dia consagrado ao trabalhador.
Creiam que esta reacção não é motivada pelo calor dos acontecimentos. Acho sinceramente que os feriados devem ser respeitados na sua essência, e particularmente este 1 de Maio, que é celebrado em todo o mundo, e que tem motivações tão nobres como defender os interesses daqueles que fazem andar o mundo, deve ser considerado intocável.
E quando os responsáveis por esses grupos económicos não largam a ganância e a ambição desmedida, então o governo, que tem quase que liberalizado os despedimentos em nome da competitividade, deve ser protector daqueles que hoje já não têm vez nem voz, e em que o seu único direito é trabalharem, e cederem aos caprichos da entidade patronal.
Enquanto não percebermos que a democracia e a liberdade não se cinge ao direito de voto, estamos a corroer a nossa sociedade e a feri-la de morte.
Se nos dizem que devemos ser mais flexíveis para tornar a nossa economia mais competitiva, como é que podemos aceitar que em troca dessa flexibilidade estejamos entregues às feras, tendo de baixar as calças, perder a dignidade, sujeitar-se aos devaneios de uma empresa?
Como é óbvio isso só pode trazer convoluções sociais, e se isto continua assim, se o governo não nos traz mais humanidade, mais fraternidade, mais igualdade, mais protecção para os desfavorecidos, eu começo a achar que o melhor realmente é partirmos para um estado de sítio, como forma última e derradeira de darmos uma pedrada no charco.
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