A tragédia de Entre-Os-Rios já tem 10 anos, como é que eu a vivi?
Já passaram 10 anos. Parece que foi ontem!
Lembro-me como se fosse hoje. Primeiro a notícia. A ponte de entre-os-rios Caiu, e infelizmente temos mortos a registar.
Que diabo, e os meus amigos e familiares? Espera aí, mas é domingo à noite, a malta que costuma viajar deste lado para castelo de Paiva, não acredito, será que eles estão bem?
Como se não bastasse, os telemóveis não funcionam. Castelo de Paiva ficou sem comunicações. Que agonia! Não conseguimos falar com ninguém, já sabemos que há mortos, a esta hora previsivelmente alguns amigos e familiares costumam passar na ponte. Só me resta acreditar que nada lhes aconteceu. Sei lá, não sei que diga!
O Benfica perdeu com o Braga, terrível, eu até podia ter ido a Castelo de Paiva, mas nem fui porque fiquei chateado pela derrota. O Porto ganha ao Farense, mas a esta hora já não quero ver futebol. Quero é saber dos meus.
Uma hora depois, finalmente as pessoas que eu suspeitava que estavam a passar àquela hora na ponte respondem à chamada. Um deles diz que está no café, está deste lado, do lado de Penafiel. Não sabia de nada, veio de Castelo de Paiva, mas passou antes da tragédia. Sensivelmente 45 minutos antes do acidente que marcou a história desta região.
Começamos a ver as primeiras notícias. Bom, afinal foi um autocarro, Ui, credo! Uma excursão? Mas o autocarro previsivelmente vai cheio. Que grande tragédia. É daqueles casos em que na altura nenhum de nós tem a verdadeira noção da dimensão dos danos. É como se fosse um terramoto. Como se o cenário fosse mais ou menos este. Faleceram infelizmente 4 pessoas, minutos depois ouvimos que afinal não foram 4 foram 10. Mas afinal foram 20! E à medida que os minutos vão passando, chegamos aos 30, 50, 60, e por aí fora.
Aqui passou-se o mesmo. Primeiro eram 4, e depois descobrimos que tinha sido um autocarro. Que grande tragédia!
Nessa noite ninguém dormiu. As televisões, todas em uníssono, iniciaram uma maratona de uma semana sem interregno, atingimos todos os extremos. Infelizmente cometeram-se imensos erros jornalísticos. Explorou-se o sofrimento até à exaustão. Chegamos ao ridículo de ver um jornalista a perguntar a uma senhora que não sabia sequer se o seu familiar estava vivo ou morto, como é que se sentia!
A dor foi protagonista ao longo de toda a semana, e nunca mais me vou esquecer, do espectáculo mediático que esteve por de traz de toda esta cobertura, e da forma como os meios foram mobilizados tão rapidamente.
Escrevo este texto no dia 4 de Março de 2011, no dia em que passam 10 anos sobre o mais grave acidente rodoviário da história do país.
De repente lembro-me de tudo. Os dias pós acidente, em que todos os caminhos vinham dar à ponte. Castelo de Paiva parou, ninguém trabalhou naquela semana. Penafiel seguiu quase o mesmo registo.
As populações, para além da perplexidade e do horror causado pela dimensão do sucedido viam-se agora com problemas gravíssimos. Por exemplo quem quisesse ir de Penafiel para Castelo de Paiva, tinha de fazer 70 quilómetros, digo bem setenta quilómetros! As estradas ainda por cima eram velhas, cheias de curvas, a viagem demorava sempre mais do que uma hora, coisa que quando a ponte estava de pé se fazia em 2 minutos, era o tempo que demorava a percorrer os 200 metros da Ponte.
A revolta das populações foi muita, e é justo, que se ponha em causa o poder central. Não só pela queda da ponte, e pelo facto de à muito que toda a gente saber que ela estava com problemas, e a precisar de obras de manutenção, mas também pelo atraso no desenvolvimento que foi alvo aquele concelho.
Castelo de Paiva era um caso de uma vila que estava perto do litoral, mas que tinha um nível de desenvolvimento do interior.
Curiosamente, a queda da ponte veio trazer o investimento que os paivences ambicionavam. Costuma dizer-se que há males que vêm por bem. Mas não é seguramente este caso, Bem pelo contrário. A mudança de atitude do poder central é aliás sintomática da pobreza de espírito que afecta os nossos governantes, porque só quando Castelo de Paiva ficou nas bocas do mundo pelas piores razões, é que as torneiras do desenvolvimento se abriram.
Apetece-me dizer que todas estas 59 vítimas quase que são mártires. Foi preciso morrerem, deixarem centenas de famílias enlutadas para o resto da vida, para que Castelo de Paiva começasse a desenvolver.
Será que era preciso mesmo ter acontecido esta tragédia?
Por mais anos que viva, não posso mais esquecer este dia, 4 de Março de 2001. Foi algo que não deixou ninguém indiferente, sobre tudo aqueles que geograficamente estavam mais perto do teatro das operações, ou porque vivem perto de Entre-Os-Rios, ou que trabalham nesta região.
Em dez anos, obviamente muita coisa mudou, mas temo bem que essa mentalidade que só depois de casa arrombada é que se põem as trancas à Porta ainda não esteja definitivamente banida do nosso ser actuar. E isso sim nos dias de hoje é que é dramático, e é pena que estes 59 mártires que morreram por uma causa, não tenham servido como factor motivacional para mais este grave defeito da nossa sociedade que é urgente corrigir.
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