Democracia Directa versos democracia representativa
Uma das questões que esteve na origem do célebre 11 de Novembro de 1975, que como todos sabem acabou por legitimar a chamada democracia representativa, que ainda perdura até aos dias de hoje, foi precisamente o sistema democrático que o país deveria seguir.
Uns defendiam a chamada democracia directa, com destaque para as Fp 25 de Abril, personificadas em Otelo Saraiva de Carvalho, o seu líder, e naturalmente os outros defendiam a democracia representativa.
Instigado por uma entrevista de Otelo Saraiva de Carvalho à TSF, ao programa gente que conta, entrevista conduzida pelo jornalista João Marcelino, achei curioso reviver estas divergências ideológicas, e numa altura particularmente conturbada, em que tudo parece estar em causa, até a estabilidade social, achei por bem reflectir um pouco à cerca destes dois modelos democráticos.
Naturalmente, será uma introdução muito genérica, que servirá espero eu para despertar o interesse nos leitores deste meu espaço cibernético, porque é muito importante nos dias de hoje, estarmos abertos a todo o tipo de propostas e ideias, sem que as rejeitemos liminarmente à primeira vista, e sobre tudo que percamos de uma vez por todas os preconceitos contra quem quer que seja, seja ele da direita, de esquerda, do centro, mais extremista ou mais moderado.
É curioso que nesta entrevista, o próprio Otelo não sabe muito bem como colocar em prática uma possível democracia directa. Mas deixa-nos algumas ideias soltas que nos podem levar a desenvolver mais o raciocínio, com base até no conhecimento etimológico deste termo.
Diz ele que numa freguesia, farce-ia uma assembleia municipal, em que se escolhiam 50 pessoas, para uma primeira volta digamos assim. Dessas 50 pessoas, o povo escolheria mais 10 para uma assembleia municipal, depois seria uma outra distrital, e assim sucessivamente, até que daí pudesse imergir um governo escolhido pelo povo.
Esta ideia, permite-me pensar que aquilo que Otelo Defende, é que os cargos políticos comecem a ser escolhidos na base, até chegarem ao topo.
À primeira vista parece-me uma ideia que bem desenvolvida merece que pelo menos reflictamos sobre a mesma. É verdade que neste momento, nenhum país do mundo a tem posta em prática. Mas já temos casos, em que a democracia directa, coabita com a democracia representativa, em que o sistema até funciona bem.
Nestes casos estamos perante uma democracia semidirecta, em que para além dos representantes eleitos, que tomam a maior parte das decisões em nome dos cidadãos, estes podem mesmo assim influenciá-las através de iniciativas populares como por exemplo: referendos.
Portugal, não tem uma grande tradição neste particular. Apenas houveram 3 referendos, e sobre matérias altamente fracturantes, como são os casos da despenalização do aborto e da regionalização. Mas na Suíça por exemplo, é habitual a realização de referendos nacionais e locais, dando assim ao povo muito mais poder de decisão.
Para alguns estudiosos da matéria, todos os sistemas democráticos, enquadram-se na chamada democracia directa.
O argumento é simples:
Todo o poder é dado pelo povo através do seu voto. Este delega nos seus representantes todos os poderes, na esperança que eles cumpram os programas pré-eleitorais acordados com os eleitores, e caso não o façam, o povo tem instrumentos legais para interromper o mandato, em último recurso recorrendo aos tribunais, o que como todos nós sabemos seria algo absolutamente inédito.
Aceito esta definição, embora não concorde com ela. Mas por forma a ser mais simples esta diferença entre estes dois sistemas, achei por bem fazer distinção entre os dois tipos de democracia.
Naturalmente que neste tipo de democracia directa, não havia lugar para partidos. Estão a ver a revolução que teríamos de estar dispostos a enfrentar se optássemos ir por este caminho?
Os cargos de poder eram ocupados pelos cidadãos, e não como acontece actualmente, em que o que conta são os partidos, e os respectivos políticos estão obrigados a seguirem uma linha de rumo estabelecida pelas cúpulas dos partidos, mesmo não estando de acordo com ela.
Creio que a curto médio prazo, este sistema terá de sofrer alterações profundas. Não para um sistema como defende Otelo, mas provavelmente para um meio termo, para já, mais a cair para o lado da democracia representativa, do que para a democracia directa.
Não é possível continuarmos a eleger deputados para a Assembleia da república, em que os eleitores pura e simplesmente não conhece, quem os vai defender.
Os distritos são um mero pró-forma. Temos imensos casos de deputados que não se encaixaram num determinado distrito, encaixando-se noutro por uma questão de mera estratégia eleitoral, e não porque na verdade se identificam com os problemas daquele distrito.
Como se não bastasse, temos outro problema bem mais grave, que é o facto de os deputados estarem sujeitos não tão poucas vezes como isso à chamada disciplina partidária, e mesmo nos casos em que oficialmente não estão, acabam por quase nunca ir contra as directrizes da maioria do partido.
Ora bem, penso que todos concordamos que um sistema assim é pouco democrático. Está tudo centrado nos partidos, e sendo 5 os que actualmente têm acento na Assembleia da república, a democracia directa praticamente não existe.
Então, temos de concluir que com este sistema os eleitores não elegem deputados mas sim partidos, porque são estes com as respectivas estruturas que vão condicionar irremediavelmente os mandatos dos deputados eleitos pela quele partido, independentemente do distrito. E quando os interesses partidários se sobrepuserem aos interesses da população do distrito que elegeu o deputado, este não tem outra alternativa, se não ignorar o povo que o elegeu, e pôr-se de cócoras perante o líder do seu partido.
Por outro lado, o argumento que os líderes partidários usam para instituir a disciplina de voto, até tem alguma lógica, e acolhimento no ceio da opinião pública.
Voltamos ao mesmo! Se os deputados são obrigados a votarem de acordo com a ideologia do partido, porque os primeiros foram eleitos, graças à organização dos segundos, está legitimado o seguidismo, e volto a perguntar. Que interessa ter dez deputados eleitos pelo meu distrito, se depois na Assembleia da república, eles vão ter de votar contra os interesses do distrito, se as cúpulas dos partidos assim o determinarem?
Penso que à q
qualquer coisa que subverte por inteiro esta lógica da proximidade, e eu defendo que os partidos deveriam ser instrumentos para fomentar a actividade política, e não para serem usados a fim de os seus membros se perpetuarem no poder.
Por exemplo se os partidos ficassem limitados a um número reduzido de filiados, e se fosse impossível fazer coligações, quer me parecer que isso poderia dar aos partidos uma missão muito mais de incentivo e nunca de eucalipto. Isto é: quanto maior forem os partidos, menos liberdade de acção têm os nossos políticos. Ou seja, eles acabam por ir secando a democracia como se estes fossem eucaliptos.
Esta mudança seria difícil para a maior parte da opinião pública. Infelizmente, muitos companheiros nossos preferem ter alguém que pense por eles, que faça alguma coisa por eles, mesmo que não façam aquilo que devem, do que assumirem um papel de protagonistas, activos e intervenientes no decurso da nossa vida política.
É que com esta mudança para uma democracia mais directa, todos os cidadãos chão chamados a intervir, e desenganem-se se estão à espera que a atitude que todos somos chamados a ter é apenas introduzir o voto na urna de 4 em 4 anos. Muito longe disso!
Se os políticos forem responsabilizados por quem os elege, tenho a convicção que muitos dos que actualmente estão em Sena se afastarão, porque como eles estão na política para se servirem a eles, e não para servir a comunidade e os eleitores, uma acção política como eu preconizo, deixaria de ter interesse para essa gente, e ficariam apenas aqueles que querem servir desinteressadamente sem olharem a quem, sem segundas intenções e interesses obscuros.
Os governos também acabam por não serem eleitos pelo povo.
Aquilo que nós elegemos são os deputados, nem sequer o primeiro-ministro.
Eu sei que o governo tem de ser legitimado pela Ar, e que pode a qualquer momento ser destituído. Mas vejamos que quando os deputados são distribuídos geograficamente, e que supostamente deveriam defender mais aquelas populações que os elegeram, a sua primeira missão é legitimar um governo do país.
Provavelmente, deveríamos eleger directamente o governo, e a assembleia da república. Não obstante a Ar dever continuar a ter poderes semelhantes aos que tem hoje, creio que o governo deveria ser legitimado pelo voto dos portugueses, e não passarem uma carta branca com a eleição dos actuais 230 deputados.
Faz sentido que cada órgão tenha a sua eleição, e inclusive que o candidato a primeiro-ministro até possa ser obrigado a apresentar pelo menos 5 ou 6 vice-presidentes, que depois seriam os ministros do governo.
Aceito que na candidatura não se mencione o ministério que cada vice-presidente vai ocupar, mas penso que os eleitores deveriam votar no núcleo duro que vai formar governo.
Este processo evitaria até que fosse o Presidente da república a ter de convidar o líder do partido vencedor nas eleições legislativas parlamentares a formar governo, o que é facto é que oficialmente o governo não é eleito, mas sim indigitado pelo Presidente da república, que por mero absurdo até tem poder para convidar um líder de um partido menos votado para assumir juntamente com os seus companheiros de partido os destinos da governação do país.
Urge pensar nestas situações, e operar mudanças significativas, e uma outra medida que deixo, e que devem pensar nela, passa por instituir a obrigatoriedade do voto, mas com coimas que desincentivem a desobediência da lei.
É verdade que este sistema não serve para nós enquanto simples eleitores, eu sei disso, e por isso é que faço estas reflexões. Mas não podemos tomar uma atitude de alheamento das coisas.
Por duas ordens de razão.
A primeira é que quanto menos participarmos na vida política, mais os políticos se governam sozinhos sem que as populações lhes façam sombra, e todos sabemos que isso tem sido altamente nefasto, porque ninguém pede responsabilidades ao poder político, ninguém se insurge contra o estado de podridão a que ele chegou, isto apesar de todas as notícias que têm vindo a lume, sobre tudo os marajás que envergonham um país de brandos costumes, e que dispensa bem essa saque ao bolso dos contribuintes, que regra geral são dos que mais impostos pagam na Europa, e que não se podem escapar.
A segunda razão, é que se não houver participação cívica a qualidade da nossa política vai continuar a descer, porque o grau de exigência é cada vez menor.
O ideal seria que todos os eleitores se convencessem disso, e que fizessem greve à Abstenção nas eleições, e muito mais importante do que isso, fizessem greve à participação nas questões que se prendem com o nosso dever de sermos cidadãos de pleno direito, simplesmente é preciso disciplinar o povo, e uma das medidas que deveria ser desde já tomada era obrigar toda a gente a votar, mesmo que seja em branco.
Mas infelizmente, o poder político não está muito interessado nisto, porque se calhar poderiam haver eleições com mais votos brancos do que os de todos os partidos em conjunto.
Já viram o escândalo que isto era?
Mas é preciso irmos contra o pensamento instituído e sermos arrojados e não termos medo de mobilizar os cidadãos, mesmo que isso custe o poder a quem o detêm.
A democracia é assim mesmo!
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