petição contra o desperdício alimentar
Desde o início deste mês de Novembro de 2010, anda a circular pela rede uma petição contra o desperdício alimentar.
Já recebi vários e-mails a pedir-me para subscrever esta petição, e a bem da verdade, devo dizer que à primeira e à segunda quase que fui impelido a assinala.
Mas como gosto sempre de meditar sobre as questões, antes de dar qualquer abalo pessoal, por mais insignificante que seja, comecei logicamente por reflectir sobre o texto da petição.
Reconheço que para um documento em que cujo seu propósito é que ele possa dar frutos, está demasiado pobre. Argumentação zero, ideias zero, apenas constata um facto, que até pode nem ser nada verdadeiro, ou então pode na melhor das hipóteses pode haver nuances para a aplicação da lei, que a pessoa que elaborou o texto não conhece.
O que eu sei é que as coisas ditas assim com esta simplicidade e leviandade a mim sinceramente não me dizem nada.
Mas mesmo assim, ficamos a saber que provavelmente nos refeitórios de grandes empresas, todos os dias existem centenas de refeições em perfeitas condições que são deitadas fora. Também ficamos a saber que a isso obriga a Lei de Saúde Pública.
Coloco algumas questões que no meu ponto de vista, são fundamentais para que possamos reflectir com serenidade e inteligência este tema.
Como é que se pode dizer que estamos perante refeições em perfeito estado para serem consumidas? Mesmo que eventualmente, a pessoa que elaborou este texto seja um delegado de saúde, o que sinceramente duvido, e tenho o meu direito, cada caso é um caso, e para saber se as refeições que sobejaram podiam ou não ser reinseridas no circuito alimentar, teriam de ser previamente analisadas por profissionais competentes. E a este respeito, relembro que muitas refeições que são servidas nas cantinas, já são aquecidas uma vez, e que mandam as boas regras, que os produtos não sejam sistematicamente reaquecidos, porque perdem as suas capacidades nutritivas, e em último recurso até podem ser prejudiciais ao organismo humano.
Ao sermos tão críticos da tal lei de saúde pública, será que estamos a pedir para voltarmos outra vez aos antepassados de má memória, onde andava tudo sem rei nem roque, onde nenhum de nós sabia em rigor a qualidade dos produtos que consumia, onde qualquer um podia manipulá-los como pretendesse, porque não havia fiscalização?
Dão-me náuseas só em pensar por um instante que seja, que podemos voltar a esse tempo. Numa altura de crise, onde cada vez mais se exige rigor por parte de toda a gente, o caminho passa por sermos mais exigentes nas nossas compras alimentícias, para”obrigarmos” os produtores e fornecedores a primarem pela qualidade. A crise serve exactamente para isso! Isto é, para separar o trigo do Joio, aniquilar quem apenas quer ganhar sem escrúpulo, e premiar quem pretende trabalhar seriamente em prole da comunidade.
Mas há um outro aspecto que me chocou ainda mais.
Segundo os autores e subscritores desta petição, a ideia é que as refeições que sobrem sirvam para matar a fome aos pobrezinhos. Mesmo que elas não estejam assim em muito bom estado, para quem é serve! Ora isso é algo que me indigna profundamente.
Detesto tudo que esteja relacionado com essa caridadezinha. É fácil vir culpar o governo, a lei de saúde pública, as cantinas etc. pela pobreza em massa no nosso país, que leva a que muitos infelizmente passem fome.
É fácil, é barato, e apesar de não dar milhões, dá um conforto fantástico. É que enquanto nós pedimos que sejam os outros a fazer, livramos a nossa pele, e podemos continuar descansadinhos a fazer a nossa vida.
Eles, os das cantinas, e os legisladores que resolvam isso, que dêem lá as sobras aos pobres, que lhes matem a fome, que eu, faço uma petiçãozinha, mando uns mails, e se um dia alguém me ouvir, esfrego as mãos de contente. Agora já posso viver sem remorso, com a consciência tranquila. A partir daqui já não à mais fome, as cantinas já resolveram o problema, com as sobras que eu e os meus filhos não quisemos comer.
Já viram em que ponto estamos? Em vez de sermos nós a contribuir para eliminar a pobreza. A denunciar este capitalismo selvagem, a afastarmo-nos definitivamente desta sociedade de consumo, que nos trata como se fôssemos coisas, objectos que ainda por cima lhes vamos lá levar o nosso dinheirinho, andamos aqui com petições a obrigar os que já são pobres, a comerem os restos, as sobras dos mais abastados.
Não consideram demente esta postura?
Sejamos sérios. A fome não advém das refeições que são deitadas fora. Mesmo um pobre tem todo o direito a ser bem alimentado, com produtos frescos, com qualidade, que qualquer um de nós exige. Não humilhemos mais os pobres! Façamos tudo, lutemos com todas as nossas forças para que a pobreza seja erradicada, e para que os que hoje estão pior do que nós possam chegar ao nosso nível.
É um caminho assim tão difícil? Até pode ser, mas é para aí que eu vou, não para essas petições, que não mexem com nada, os que nos exploram continuavam a explorar-nos, continuavam a fazer pobres, cada vez mais pobres, e as tais refeições que são destruídas, não representavam uma gota de água, no imenso oceano que é a pobreza em massa que esta nossa sociedade selvática tem feito.
Não desperdicemos as nossas energias, não façamos coisas que levem os exploradores, os ladrões a rirem-se de nós. Vamos denunciá-los, deixá-los a falar sozinhos, e a não alimentar mais esta terrível sociedade, em que a ganância, o despudor andam aí mais do que nunca.
O que fizeste do teu irmão? O que fizeste da tua irmã?
Sabem que nos interpela para estas questões? É o paradigma do Humano. Jesus de Nazaré, o homem plenamente humano, que não andou a distribuir as sobras pelos mais pobres, mas sim a dar-se todo por inteiro a eles,, dando a própria vida por eles na luta contra o império de então, a denunciar os poderosos, os seus privilégios e a pobreza que já na altura eles causavam. E sabem que lhe aconteceu? Pois sabem sim senhor. Foi assassinado na cruz, por esses mesmos poderosos que já mais lhe perdoaram tanta osadia.
Percebem a diferença?. E então. Vocês, meus caros peticionários, que estão, e eu não duvido disso, cheios das melhores intenções, o que fizeram do vosso irmão, da vossa irmã, que passa fome, que é pobre, e que precisa de viver com dignidade?
Pensem nisto.
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