segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Timor Lorosai. Faz hoje 20 anos do massacre do cemitério de Santa Cruz em Díli

Os mais jovens não se recordam do horrendo massacre que ocorreu no cemitério de Santa Cruz em Díli, naquele que hoje é o estado de Timor Lorosai, e que em 11 de Novembro de 1991, altura em que se deu essa chacina, era um território colonizado pela Indonésia.
Foram, aliás os militares indonésios que levaram a cabo essa matança, que resultou em 271 mortos, e mais de 100 desaparecidos.
Tudo aconteceu quando milhares de timorenses participavam na celebração da missa do décimo quarto dia em memória do Jovem Sebastião Gomes, que foi assassinado também pelas tropas Indonésias.
Graças a Deus, ou ao destino, naquela hora em que os soldados começaram a abrir fogo, matando indiscriminadamente quem lá estava, o jornalista inglês Max Stahl, conseguiu captar algumas imagens e fez com que elas corressem mundo.
Uma das coisas que mais me chocou a mim, e creio que todos os que vivenciaram estas imagens, foi o facto daquela população completamente desesperada, perdida e impotente, começarem a rezar incessantemente, numa tentativa de desviar as balas daquela maldita tropa indonésia.
Enquanto eles disparavam e matavam quem aparecia pela frente, as pessoas rezavam, na esperança que esse Deus, pudesse fazer algo para mudar a trajectória do destino, que naquele dia se resumiu a um dramático banho de sangue generalizado.
Essa atitude deste povo indefeso, demonstra bem o quan fervorosos são os meus irmãos timorenses. Não estranhem. Eles não tinham mais nenhuma arma de defesa a não ser a oração. Isto, acreditem é muito profundo.
A partir daqui, uma grande parte da comunidade internacional ficou chocada com a forma como os indonésios reprimiam o povo Timorense, que recordo foi invadido precisamente pela Indonésia em 1975, iniciando-se assim uma ocupação e uma tortura verdadeiramente inimagináveis.
A partir deste massacre, e com a ajuda da comunidade internacional, foi possível iniciar-se um caminho penoso que levou a que fosse realizado um referendo supervisionado pelas Nações unidas, onde mais de 90 % dos timorenses disseram que queriam ser independentes, e que não queriam mais a ocupação da Indonésia.
E foi no dia 30 de Agosto de 1999 que tudo aconteceu, e em que o regime de Jacarta, que já tinha ficado sem o seu ditador Suarto, mas que não queria deixar Timor, protagonizou uma das maiores matanças da história.
Se hoje vos falo disto, é porque vivi e senti muito de perto este momento. A revolta pela atitude dos indonésios que nessas semanas subsequentes ao referendo terão morto milhares de timorenses, só porque estes cometeram o crime, de dizerem nas urnas que queriam ser um povo livre.
Foram momentos dramáticos, revoltantes, e emocionantes também, porque ninguém ficou indiferente. Sem dúvida que Timor, foi a causa mais forte da união Nacional, talvez desde o 25 de Abril.
Quem não se recorda dos três minutos onde Portugal inteiro parou? Quem não se recorda das flores que foram atiradas ao mar? Sim, eu sei, foram gestos simbólicos, mas nunca nos últimos 37 anos o país se uniu tanto em torno de um ideal.
Realizaram-se centenas de espectáculos de solidariedade com Timor. Portugal contribuiu fortemente junto da comunidade internacional, designadamente das nações unidas para que Timor viesse para primeiro plano das preocupações mundiais.
Desculpem esta recordação de alguém que viveu muito de perto esta tortura indonésia, e lembro-me do início das movimentações para chamar atenção para a tortura que os indonésios submetiam os irmãos timorenses, do massacre que foi digamos que o grito de revolta, o navio Lusitânia, esses heróis portugueses que saíram de Lisboa com o objectivo de chegarem a Díli, mas obviamente foram impedidos pelos militares indonésios, mas que atiraram uma coroa de flores ao mar, o despertar das consciências de muitos líderes internacionais, a morte de Soarto que foi festejada até por mim, e finalmente o referendo. Momentos inacreditáveis. Foram milhares de timorenses que foram ameaçados para não votarem, mas no dia do referendo, toda a gente de uma forma silenciosa foram à urna, não festejaram, no rosto via-se o sofrimento de tantos anos de ocupação e de humilhação. Mas mesmo assim os timorenses foram uns heróis, foram fortes, não vacilaram, e mesmo com medo, com receio que os indonésios lhes pudessem fazer mal antes de saírem de Timor, não se vergaram aos invasores e disseram não à ocupação maldita daquela potência mundial.
Infelizmente, o receio fazia sentido, e depois do referendo milhares de pessoas foram mortas pelos militares desgovernados e cruéis da indonésia. Mas hoje talvez tenha valido a pena. Timor Lorosai existe, é um país independente, e hoje apesar de chorarmos os milhões de mártires de tantos anos de luta, podemos dizer que somos irmãos, que estamos unidos por este elo comum que é a língua e a cultura que advém de muitos anos em que Portugal foi também um país que colonizou é certo, mas nunca fez aos irmãos timorenses, aquilo que os indonésios fizeram em mais de 25 anos de ocupação horrenda e cruel.
Já mais me esquecerei de Timor, e de quanto este povo sofreu para hoje ser uma nação independente.

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