quinta-feira, 22 de julho de 2010

Tristeza pelo fim do Rádio clube Português.

Que dizer de um projecto alternativo que foi à vida?

O Rádio clube português podia não ser uma rádio de maças, ouvida pela juventude, pelos potenciais consumidores de telemóveis e vuvuzelas, mas era uma rádio com muita qualidade.

Privilegiava a palavra ao invés da música. E essa era uma diferença substancial. Hoje, a maior parte das rádios transformaram-se em gigantes Ipods, com programas feitos em laboratório, play lists desenhadas previamente, como se o ouvinte fosse um robot que tinha de estar a ali a consumir aquilo que as editoras queriam que ele consumisse.

Já sei que temos gente que faz play lists, e que não se rege pelas leis de mercado, para esses este meu desabafo obviamente que não se aplica.

Mas no meio deste marasmo que se encontra a nossa rádio, sabia muito bem refugiar-me nas entranhas de uma estação que me dava informação, entrevistas, crónicas de grande qualidade, rubricas, era sobre tudo uma rádio informativa e também formativa.

Mas infelizmente tudo isto terminou, e a rádio fica mais pobre. Não só pelo símbolo que é o rádio clube Português, que tem décadas de história, mas porque hoje em dia temos muito poucas rádios com este formato. E eu estou convicto que uma rádio deve ser assim, autêntica, dê informação e faça companhia aos ouvintes, seja sobre tudo uma rádio de palavra, de boa palavra.

E o mais agoniante, é que se virmos esta temática numa perspectiva de lucro para os grupos empresariais que detêm essas rádios, as poucas que actualmente ainda existem, podem também conhecer o mesmo destino que conheceu o RDP. E eu não sei que vai acontecer à rádio. Posso ser antiquado, isto vindo de alguém que ainda não tem trinta anos pode parecer algo sem lógica, e na verdade é mesmo, porque eu não me considero desfasado da realidade. Felizmente tive a sorte de crescer com grandíssimos locutores que me faziam imensa companhia, e que me ajudaram muito nos meus primeiros anos de vida. Aprendi muito com eles.

Já nessa altura, quando calhava de apanhar rádios gira-discos desligava imediatamente. E aí o acesso à música até era muito mais difícil do que é agora. Lembro-me que as vezes em que ouvia música na rádio, era para gravar cassetes para ouvir na escola. Hoje, graças às novas tecnologias, já não precisamos das rádios para gravarmos as nossas músicas preferidas. Por isso os quadrantes musicais são ainda menos necessários do que antigamente.

Mesmo assim, eles estão aí a reproduzirem-se como cogumelos. Parece que a verdadeira concorrência que temos está no facto de se escolher os êxitos mais recentes, as músicas mais ouvidas, e com isso garantir o share de audiência. Está tudo subvertido! Ao invés de as rádios singrarem pela qualidade dos seus locutores, dos seus programas, dos especialistas que trazem à antena, não. Elas destacam-se pela música que rodam.

É um contra-senso grave, e triste.

Então quando de noite pegamos no rádio, e ligamos o sintonizador automático, é absolutamente confrangedor. Temos música, música e música! Ainda por cima com a solidão que hoje infelizmente vitimiza tanta gente, e sendo a noite o período mais crítico do dia, é revoltante as pessoas que estão sozinhas em casa, e que precisavam de companhia, d ouvir uma voz amiga, até quem sabe dar a oportunidade a essa gente de participar de uma forma interactiva nos programas, não à oferta de nenhuma espécie.

No tempo em que eu ouvia rádio de noite, tenho saudades da estação de serviço, do clube da madrugada, ainda do calor da noite, e outros programas que fizeram sucesso nas madrugadas, e que foram um bálsamo para muitos trabalhadores da noite, e outros que embora não trabalhando faziam da noite o seu modo de vida, ou porque como é o meu caso gostavam simplesmente de estar acordados de noite, ou porque não conseguiam dormir. Actualmente a onde é que temos programas destes?
E depois, a gente liga a onda-média, e começamos a ouvir programas espanhóis e franceses, e vimos que eles usam a palavra como instrumento de comunicação. Porque raio só havemos de ser diferentes naquilo que não é preciso?

Esta situação não é de agora. Infelizmente já à muitos anos que as rádios estão a seguir este caminho, mas agora ainda temos menos uma das resistentes. E como disse daqui a dias se calhar o número de rádios de palavra vai ser praticamente nulo. Actualmente, já é perfeitamente residual, elas que comecem a dar prejuízo, e vão ver o que lhes acontece.

Eu bem sei que economicamente falando, quem mete lá o dinheirinho, tem de ter retorno, se a rádio não é ouvida não à investidores a fazerem publicidade, é natural que eles queiram inverter a tendência, porque o privado tem mesmo de viver no lucro.

Mas como eu penso que esta falta de rádios de palavra é já um problema sociológico, creio que nesta primeira fase a rádio pública deveria criar mais programas de autor, sobre tudo à noite. Já temos o José Candeias das cinco às sete, é melhor que nada, mas creio que até às cinco horas também deveriam ter um outro programa onde os ouvintes tivessem um papel fundamental, e fossem parte integrante do mesmo. Era óptimo para ajudar aquelas pessoas que trabalham durante a noite, ou que experimentam grandes momentos de solidão.

Se um dia eu passar por isso, acreditem que fico desde já arrepiado, porque não à mesmo nenhum programa de jeito, que nos possa fazer companhia, alegrando-nos um pouco.

Depois da rádio pública, podia ser que os outros também sentissem que valia a pena irem atrás. Acho que também isto deve-se à pasmaceira e atrevo-me a dizer à estupidez que os consumidores de rádio, e até mesmo da comunicação social em geral foram sendo votados. Primeiro pelos directores de informação que os foram adormecendo, e depois essa letargia levou a que as pessoas hoje estão amorfas, sem capacidade de reacção e reivindicação, e comem tudo aquilo que lhes dão. Isso começa neste caso da rádio, e acaba nos jornais e nas televisões que dão as notícias que querem, e as pessoas limitam-se a absorver, e a comentar aquilo que vêm e lêem, sem analisarem as questões aprofundadamente, e como é óbvio com este mediatismo todo, as situações ficam todas invariavelmente mal esclarecidas, com quilos de poeira no ar, e nunca se chega a saber o essencial, porque os órgãos de comunicação não transmitem a verdade, ficam-se apenas por meias verdades, e como a generalidade dos consumidores de media, se limitam a filtrar e a ajuizar aquilo que ouvem nos órgãos de comunicação, estão na maior parte dos casos longe de saber o que verdadeiramente se passa.

Este é um problema grave, que merecia ser reflectido, mas eu que não sou pessimista, tenho de reconhecer, que provavelmente nem daqui a vinte anos vamos ter uma sociedade esclarecida, lúcida, clarividente nas análises e avaliação que faz, em suma uma sociedade de informação adulta e madura.

Sonho com esse momento, e sei que quando ele chegar, as rádios de palavra como o RDP já mais irão à falência. Ao invés as rádios ipods, é que vão ter de passar a música noutro lado!

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