quinta-feira, 26 de abril de 2018

os 44 anos de Abril comemorados intensamente por mim em Braga

Ontem Abril foi comemorado com muita intensidade em Braga no salão nobre dos Bombeiros voluntários, numa cerimónia organizada pela associação cívica Fórum Bracarense. Durante cerca de 3 horas e meia partilharam-se histórias de Abril contadas na na primeira pessoa, e foi dada também voz aos mais jovens que assim puderam dar a sua perspectiva do que a história lhes ensinou sobre o dia mais lindo. Ao leme desta sessão esteve António Fernandes, que foi o responsável por este evento. A primeira grande surpresa veio logo do anfitrião, o presidente da associação humanitária dos bombeiros voluntários de Braga António Ferreira, que no dia da revolução comandou um grupo de 200 militares que estiveram no terreiro do passo e no quartel do Carmo. Revelou-nos ainda que os capitães de Abril começaram reunir secretamente sensivelmente um ano antes para prepararem a revolução. Por isso foi um testemunho muito enriquecedor de um homem que tem ainda vivas na sua memória todas as horas do dia 25 de Abril de 1974, pois passou-as todas em Lisboa no epicentro da revolução. , sendo também parte activa da mesma. A Doutora Maria do Carmo veio trazer-nos um testemunho extraordinária na luta pela igualdade de género. Foi arrepiante recordar que antes de Abril as mulheres eram tratadas como semi pessoas: Tinham de ter autorização do marido para coisas tão simples como: viajar para o estrangeiro, abrir uma conta no banco, trabalhar no comércio, usar métodos contraceptivos, e tinham de se subjugar ao homem que era o chefe de família, e nesse sentido cabia-lhe zelar por tudo o que estivesse relacionado com a vida conjugal. Nessa altura também só podiam votar as mulheres que fossem equiparadas a chefes de família, designadamente as viúvas ou as que tinham os maridos ausentes. Até a própria virgindade na altura do casamento* era motivo para que o homem pedisse divórcio por justa causa. Profissões como: Enfermeiras, hospedeiras de bordo, telefonistas ETC. só podiam ser exercidas por mulheres solteiras. As mulheres não podiam ser juízas, diplomatas, militares ou polícias. A verdade é que, segundo o testemunho de Maria do Carmo, a luta pelos direitos das mulheres continua a fazer sentido, porque apesar da lei ter mudado em quase tudo, há muitas situações que na prática continuam como na década de 70. Mesmo assim, Maria do Carmo não tem dúvida que o 25 de Abril valeu a pena e marcou o início de um tempo novo. Mas não nos podemos esquecer que ainda hoje as mulheres precisam de trabalhar bem mais do que os homens para serem reconhecidas. Manuel Ferreira deu-nos mais um testemunho muito autêntico. Ele que viveu em Lisboa desde Outubro de 1972 e tem por isso uma visão mais próxima dos acontecimentos. Pese embora essas vivências, Manuel Ferreira centrou a sua intervenção no PREC, e apresenta-nos 3 fazes distintas desse período. A primeira fase que vai desde o 25 de Abril até 28 de Setembro, dia em que se dá a tentativa falhada do general Spínola convocar uma grande manifestação em Lisboa e que culmina com a sua demissão, e a indigitação de Vasco Gonçalves. O segundo período que vai de 28 de Setembro a 11 de Março, dia da tal maioria silenciosa, em que vários spinolistas tentam um golpe de estado apoiados em parte pela direita portuguesa, e finalmente o terceiro período do Prec que culmina no 25 de Novembro. Foi uma abordagem com algum pendor político, não estivéssemos a falar de um dos combates mais ideológicos do século XX, mas permitiu-nos ficar por dentro das clivagens entre aqueles que queriam uma revolução socialista, e que ao tempo nacionalizaram bancos, seguros e outras companhias. Que quiseram fazer a reforma agrária, e por outro lado os mais moderados que não queriam a ascensão da extrema direita, mas também não queriam o país nas mãos da extrema esquerda. António Barroso foi um emigrante que nos contou a sua experiência, falando na primeira pessoa de um dos maiores dramas do estado novo. Foi interessante perceber de viva voz a admiração que regra geral os estrangeiros têm de nós portugueses. Neste evento teve também vez e voz a juventude nascida depois de 1974, e o curioso é que tivemos histórias deliciosas e inesperadas. Marco Sartei, que nasceu em 1975, recorda-se de 3 momentos. Recorda que com 5 6 anos portanto no início da década de 80 ainda se vivia um sentimento terrível anti comunista. Ele sentiu isso na pele por causa do seu pai. Outro momento que recordou foi em 1986, numa altura em que ainda não entendia nada de política, mas estava na sede do CDS de Braga a dobrar panfletos de apoio à candidatura de Freitas do Amaral e a meio da tarefa grita plenos pulmões: Cunhal, Cunhal. Uma terceira história deliciosa passa-se em 1993, altura em que Marco Sartei já tinha idade para votar, tiveram lugar as eleições autárquicas. Só que ele estava a estudar na universidade do Algarve e nesse Domingo eleitoral estava em Braga. O que aconteceu nesse dia por volta das 12 horas, foi que o seu pai o obrigou a ir com ele de Braga ao Algarve para exercer o seu direito de voto. Claro que essa foi uma viagem inesquecível pelo gesto do pai e pela conversa política interminável que tiveram durante a viagem, e marcou muita da cultura democrática que passou a alimentar desde essa altura. Luís Amaro nasceu em 1990 mas fez uma analogia curiosa. Os seus avós nasceram em 1926, 16 anos depois do 5 de Outubro. E o que é curioso é que em sua opinião, o 25 de Abril diz-me mais a ele do que o 5 de Outubro disse aos seus avós, sendo que a distância temporal que medeia os referidos acontecimentos e o nascimento dos envolvidos nesta analogia é idêntico. Luís Amaro agradece- ainda ao 25 de Abril o facto de ter tido a oportunidade de fazer dois cursos superiores, e de o país ter maravilhas como por exemplo o serviço nacional de saúde. Por falar em SNS, Armando Caldas veio precisamente falar desta enorme conquista de Abril. Como não podia deixar de ser, falou da revolução fantástica que foi a redução da taxa de mortalidade infantil, e outras evoluções extraordinárias que tivemos. No entanto mostrou-se muito preocupado porque em sua opinião a classe política nada tem feito para garantir a sustentabilidade do SNS. É que a saúde não tem preço, mas tem custos! Foi uma frase marcante da sua intervenção, em que também se mostrou preocupado contra a burocracia à qual os médicos estão sujeitos. Hoje os profissionais de saúde têm te fazer autênticos tratados, e isso faz com que se desviem da sua função principal que é a de tratar doentes. Finalmente informou-nos que este modelo de SNS que temos foi em parte copiado do modelo Inglês. Ricardo Alves foi ex deputado pelo PS e fez uma intervenção muito focada na actualidade. Mostrou-se altamente preocupado pelo facto de a escola em sua opinião não estar a formar democratas, o que é paradoxal porque no estado novo a escola formava verdadeiros fascistas desde a primeira até à quarta classe. Por isso refere que a escola pública não tem valores, ao contrário de muitos colégios privados que bem ou mal têm os seus princípios ideológicos bem vincados. Refere que um dos dramas da democracia é o descrédito dos políticos. Hoje é quase criminoso dizer-se que se é político! A verdade é que o nível de pessoas que vão para a política é cada vez mais baixo. E como se já não bastasse temos a Justiça que foi das únicas, se não a única área em que a revolução não entrou, e que não tem conseguido criar mecanismos para punir os verdadeiros corruptos. A consequência maior é que temos uma sociedade cada vez mais vulnerável aos populismos que transmitem ideias muito simples, muito superficiais, muito fáceis de absorver por uma sociedade que não quer saber da política para nada. Enquanto isso há sempre aqueles que se aproveitam do sistema, porque não tenhamos ilusões. Os políticos nunca acabarão porque haverá sempre quem queira ocupar o poder! Finalmente deixou-nos uma ideia de princípio. Um bom político tem de ter a teoria e a prática, e lutar sempre. Como não podia deixar de ser, a tertúlia foi também aberta ao público, e como as conversas são como as cerejas, as histórias foram saindo em barda, para deleite dos mais jovens que não viveram Abril de 74. Em Braga de 75 a perseguição aos comunistas foi evidente. Uma dessas histórias relata a distribuição de panfletos que apelavam aos agricultores e operários para que quando ouvissem os sinos a tocar a rebate nas suas freguesias, pegassem em Saxolas e todo o tipo de objectos que tivessem à mão para eliminar os comunistas da face da terra. Falou-se também das mortes no ultramar e pediu-se para que não esqueçamos o estado novo para que esse tempo nunca mais se repita. Contaram-se histórias muito íntimas de homens que hoje são verdadeiros democratas, mas que tiveram familiares muito próximos, que embora nunca sendo agentes da PID, apoiavam o estado novo. E o que estas histórias nos ensinam é que, mesmo assim, apesar das suas convicções políticas, não deixaram de ser homens honestos, honrados, empenhados e patriotas. Recordou-se também o célebre comício no Theatro Circo em Braga que acabou de forma abrupta com os agentes da DGS a invadirem o palco. Ainda dentro da emigração, contaram-se histórias na primeira pessoa de alguém que antes do 25 de Abril viveu no tempo do Apartheid, e que quando chegou a Braga encontrou uma cidade fechada e cinzenta. Finalmente usou-se a figura de Salgueiro Maia como um exemplo inspirador para os mais jovens eternizarem Abril. O homem que deu o peito às balas e arriscou a sua vida pela revolução. Um verdadeiro herói, que pautou a sua vida pela generosidade, desprendimento, e patriotismo. Alguém que nunca quis o poder, nem subir à custa da política. Um homem que foi tão mal tratado por muitos agentes do poder, que por paradoxal que pareça lhe devem a ele os seus privilégios. É o melhor exemplo de bondade, de sentido cívico e patriótico que podemos dar aos nossos filhos. No final do evento cantou-se a Grândola a uma só voz, sem dúvida a canção de Abril,a canção da revolução.

Sem comentários: