domingo, 15 de janeiro de 2012

As nomeações para a EDP e para as águas de Portugal.

As mais recentes nomeações para o concelho de supervisão da EDP, e para o concelho de administração das águas de Portugal, vieram trazer à saciedade alguma da ingenuidade política, também alguma hipocrisia dos agentes políticos, mas essencialmente o prémio para o primeiro-ministro de Portugal, prémio esse do mais valia estar calado!
É preciso dizer em primeiro lugar que a questão da EDP é na sua essência diferente da questão das águas de Portugal.
Enquanto na EDP o estado apenas tem 4 % da empresa, e o restante é dos accionistas, agora com os chineses a entrarem de cabeça, e nas águas de Portugal, a nomeação é da exclusiva responsabilidade do governo.
Outra coisa que é preciso dizer claramente é que não há qualquer ilegalidade neste processo, e mesmo politicamente falando, as coisas são perfeitamente transparentes.
Começando pela questão da EDP.
é óbvio que este concelho de supervisão que foi agora nomeado é próximo do governo de Passos Coelho. Negar isso é de uma hipocrisia total, e como diria o outro, já não há coincidências!
Eduardo Catroga, era um dos braços direitos de Passos Coelho, negociou com a troika, foi ele que esteve para ser ministro das finanças. Paulo Teixeira Pinto, é outro homem próximo de Coelho, foi dele a proposta de revisão constitucional. Jorge Braga de Macedo é outro personagem ligado a Passos Coelho, dele foi aquele contributo da internacionalização do país, que o actual primeiro-ministro usou em campanha. Temos também o caso caricato de Ilídio Pinho, nada mais nada menos do que o antigo patrão de Passos Coelho, antes deste assumir a liderança do psd. Para terminar o rol temos a omnipotente Celeste Cardona, que já foi desde ministra da justiça, até administradora da caixa geral de depósitos, e agora então entra na EDP. Esta senhora não tem nada haver com o psd mas sim com o pp.
Quando se juntam todas estas personagens, como se pode dizer que não estamos perante uma conjugação de interesses?
Há portanto que ser claros, esta equipa formou-se porque são pessoas próximas de quem manda, e por isso na opinião de quem tem o dinheiro, vulgo accionistas da EDP, são pessoas que têm condições privilegiadas para influenciar quem toma as decisões. não estou a dizer que isso é verdade, mas o que está subjacente em quem nomeou esta equipa ;é no meu ponto de vista este propósito.
E é nesta perspectiva que eu digo que Passos Coelho quando era candidato mais valia ter sido comedido naquilo que disse. É que agora as coisas caem-lhe em cima e os portugueses sentem-se no direito de cobrar aquilo que ele afirmou em campanha.
Mas o que temos de dizer, e é preciso que as pessoas percebam, é que o que se passou agora na EDP é comum em qualquer sociedade em que o estado tem um peso preponderante na economia, o que é o caso de Portugal.
Para que não tenhamos compadrio político, é preciso que o estado seja muito mais liberal, e que deixe de ter tanto poder de decisão sobre as áreas de negócio das empresas, e passe a ter uma função meramente reguladora. Isto de privatizar as empresas, mas querer continuar a mandar, condicionando a actividade das mesmas é uma amostra de liberalismo perfeitamente incoerente, e logo inconsequente. Um dia em que o estado não tenha peso decisório, as empresas privadas não vão ter a necessidade de nomear para os respectivos concelhos de administração pessoas próximas do quadrante político que governa o país. Continuando o estado a poder condicionar essas empresas, é evidente que mesmo sendo elas privadas, e sendo os accionistas pessoas que nada têm haver com o estado, vão procurar agradar ao governo, na esperança de tirarem dividendos por isso.
Façamos um exercício simples. Imaginem que vocês são accionistas de uma empresa em que uma grande parte do volume de negócios depende do governo. Então se vocês tivessem de nomear uma administração, não iriam procurar pessoas que no vosso entendimento se podiam mexer melhor junto de quem decide? Então, iam nomear pessoas ligadas aos partidos da oposição, correndo o risco de eles desatarem a dizer mal do governo quando fossem administradores da vossa empresa, melindrando quem ia decidir sobre situações fundamentais para o vosso negócio?
Obviamente que neste caso, Passos Coelho não andou aí a telefonar às pessoas para criar esta equipa! Os próprios accionistas não vivem isolados numa ilha, e sabem perfeitamente quem são as pessoas melhor colocadas para valorizar o dinheiro que os tais accionistas meteram na EDP. Não é preciso ir a Roma para saber que lá reside o Papa!
E se Passos Coelho enquanto estava na oposição não fosse tão demagógico, muito deste broá hoje não tinha razão de ser. Isto só foi empolado por causa das anteriores tomadas de posição do actual primeiro-ministro.
É verdade que formalmente existe uma nuance diferente, entre estas nomeações e as que foram feitas anteriormente, que motivaram as críticas de Passos Coelho.
É que se as outras nomeações foram feitas directamente pelo governo, neste caso como já vimos, o estado não participou nas nomeações.
Apesar disso, são diferenças muito pouco significativas, o que faz com que a questão de fundo seja a mesma, e é isso que deve merecer a nossa reflexão.
Qual o critério que deve ser utilizado para nomear os gestores públicos? Muitos dizem que não deve ser a militância partidária. Tenho de concordar em parte com isso. Só que, isto era se tivéssemos o melhor de dois mundos, e como eu raramente acho que isso é possível, há que dizer uma coisa para mim muito importante. Se os partidos não interessam para uma coisa, também não interessam para a outra. Isto é: Se criticamos um governo por nomear gestores públicos do seu quadrante político, não podemos agora exigir que esse mesmo governo seja impedido de nomear os tais gestores da mesma família política, e opte por nomear gestores da oposição, digamos assim.
O princípio tem de ser uniforme, não podemos analisar as coisas como nos dá jeito, e usar essa análise para credibilidade e sustentar opiniões que possamos ter a quente, ao sabor do momento.
E neste caso poderíamos deixar de ter os boys do partido do poder, mas teríamos à mesma os boys e a promiscuidade dos partidos da oposição. E neste cenário, as nomeações seriam como um prémio de consolação para quem perdeu a eleição.
Eram boys à mesma!
Convenhamos que para o país, e é isto que me interessa verdadeiramente, tanto uma coisa como outra seria péssimo. Não tenho dúvida em dizer que sob o ponto de vista meramente teórico, até é melhor colocar os boys do partido, do que os da oposição, porque ao menos tínhamos mais garantias que todos trabalhavam para o mesmo lado, e se fossem opositores, podia sempre dar-se o caso de quererem boicotar o trabalho. Ou então, se a coisa fosse tão bem feita, até se podia chegar a uma espécie de acordo de cavalheiros, uns ficavam com o poder, outros ficavam a mandar nas empresas públicas. E isto não é assim tão descabido, se pensarmos que os gestores públicos são muito melhor pagos do que propriamente os ministros. Que o diga Eduardo Catroga que não hesitou um segundo quando teve de escolher entre ir para a EDP, ou para ministro das finanças. Também, pudera! Na EDP ele ganha muito mais do que no ministério, tem muito menos trabalho, não está sujeito à avaliação dos media nem do povo, creio que colocando um prato em cada lado da balança, o lado da EDP pesa muitíssimo mais, é absolutamente incomparável!
E por isso, um acordo de cavalheiros onde uns ficavam com umas coisas, outros ficavam com outras, seria mortal para a nossa democracia.
É que temos de pensar numa coisa que é para mim fundamental, embora seja eventualmente polémica.
Embora muitos não concordem, eu creio que a luta pelo poder é essencial à nossa democracia. E qual é o objectivo dos partidos políticos quando se propõem governar? Será que é assim uma espécie de missionários, sujeitos a todo o tipo de críticas, a todo o tipo de injúrias, de ataques, de violações à sua privacidade etc?
Claro que o objectivo dos partidos políticos é ganhar, mas depois saberem que de certa forma vão tirar partido com isso. E isso não tem mal nenhum, desde que naturalmente aja honestidade, e se consiga conciliar os interesses partidários, com os superiores interesses da população em geral, sempre no mais estrito cumprimento da lei. O problema de base é que nós portugueses temos raiva, digo bem raiva do sucesso dos outros.
Claro que eu não defendo que se roube, não defendo obviamente as falcatruas do bpn, dessas empresas públicas que deram prejuízos descomunais! Mas o que eu digo é que se pensarmos bem, é legítimo que os políticos queiram ganhar o justo, ser recompensados pelo esforço, porque se não deixaríam-se estar tranquilos no seu cantinho.
A questão é que muita gente não está esclarecida, uns porque são preguiçosos e não querem, outros porque se limitam a absorver a porcaria que os telejornais emitem, ficando absolutamente intoxicados, e como consequência, esse povo não vai ao fundo das questões, deixa[-se influenciar por tudo o que ouve e lê, não questiona as coisas, e obviamente adoptam uma atitude de quem pura e simplesmente não sabe o que quer.
Querem democracia, mas não querem luta pelo poder! Querem que lhes prometam mundos e fundos, mas depois não aceitam que não se cumpra o que lhes foi prometido, sabendo como toda a gente sabe que se um candidato não prometer nada de palpável, já mais ganha eleições!
É claro que aquela ideia, muito politicamente correcta, segundo a qual devemos ter como instrumento de avaliação apenas os méritos e o curriculum e não a militância partidária, tem lógica e não é de todo demagógica. Simplesmente, ela e muitos casos é impraticável, e temos de dizer isto com todas as letras, e com toda a clareza.
Por exemplo, na EDP e nas águas de Portugal que agora falamos, os cargos de administração são quase políticos, e não são técnicos, nem de longe nem de perto.
Um administrador não tem obrigatoriamente de ser um técnico da área. Deve ser um gestor reputado, uma pessoa que entenda de finanças, alguém que seja capaz de impor as melhores estratégias empresariais, reinventar árias de negócio, no fundo ser alguém que ponha a máquina a trabalhar, porque quem vai fazer o trabalho são os técnicos, esses é que sabem fazê-lo bem.
Mas estou a dizer alguma novidade? Toda a gente sabe perfeitamente que é assim. Numa fábrica, o patrão não tem de saber operar com as máquinas!
Ou seja, sendo estes lugares políticos, é óbvio que uma das premissas que deve ser tida em conta é a confiança política. Sendo estas duas empresas estratégicas para a economia nacional, não acho nada descabido que as pessoas que as vão dirigir, se identifiquem com a política que está a ser seguida.
Claro que não precisam de ser dos partidos do governo, mas devem partilhar a mesma filosofia. E acham por acaso que existem pessoas verdadeiramente isentas? Não sejamos ingénuos! Todos nós mais ou menos temos as nossas afinidades. Deixemos de ser politicamente hipócritas.
Deixo no entanto uma ressalva importante.
Creio que quando uma pessoa sai de um ministério para uma empresa privada, há que ter cuidado e estar atento, porque aí as coisas podem não ser assim tão legais e transparentes.
Por exemplo, já tivemos um ministro, no Caso Jorge Coelho, que quando saiu do ministério das obras públicas, foi para o concelho de administração da Mota Engil, precisamente uma empresa de obras.
E qual é a perversidade disto? É que o ministro que tutelava a empresa, mal deixa o governo, vai logo para administrador de uma empresa que ele enquanto ministro tutelava. E até pode ser tudo legal ou transparente, mas convém que não fiquem dúvidas.
Na pior das hipóteses, escolher um administrador que acaba de sair do ministério da área da empresa em causa, poderia ser considerado um pagamento de favores. Por isso é preciso saber que decisões a pessoa tomou enquanto ministro, e que directa ou indirectamente envolveram a empresa para onde ele foi trabalhar, etc.

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