O Domingo de Páscoa que só serve para engordar o mealheiro dos Abades.
Neste domingo, um pouco por todas as aldeias do norte do país, o ritual mantêm-se. Atenção, não confundir ritual com tradição. São duas coisas bem diferentes!
Neste dia, o compasso anda de casa em casa, anunciando a ressurreição de um mítico Cristo, que todos os anos nasce em Dezembro, sempre no dia 25 e morre uns meses depois, em data sempre inserta.
Muita gente vai dizendo que o compasso é uma tradição, e que se devia manter de pé.
Devo dizer que fico espantado com tanta ingenuidade.
Experimentem deixar de dar os envelopes ao pároco da freguesia, e no ano seguinte vejam se a tradição sempre é para manter, como mentirosamente alguns afirmam às populações.
Este rito só se mantém nas aldeias, porque aqueles que recebem o compasso, pagam isso bem pago, e moralmente são quase que obrigados a dar sempre uma avultada quantia em dinheiro, que no dia seguinte vai engordar e de que maneira a conta bancária do Pároco.
Poderei chocar muita gente, pela forma crua, e completamente despida de preconceitos, como eu abordo aqui esta questão. Mas não me poderia calar com este escândalo que por um lado infantiliza as populações que aceitam entrar neste negócio, que apenas beneficia uma pessoa, no caso o pároco, e por outro lado estamos perante uma mentira que tem de ser denunciada até ao limite. Porque nenhum responsável pela freguesia pode afirmar que o compasso sai no dia de Páscoa para se manter a tradição. Não digam mais isso por favor! Digam sim que o compasso sai, porque por cada casa que ele entre, à sempre um envelope que pode andar entre os 20 e os 50 euros. Se multiplicarem estes valores por centenas de fogos que existem em cada freguesia, vejam quanto é que o compasso não rende. Se considerarmos o facto de muitos párocos terem várias freguesias a seu cargo, vejam só a quantia que chega aos bolsos do Padre no Domingo à noite.
Fruto, imaginem o caricato da questão, do trabalho dos mordomos. É verdade! Em muitas freguesias o Padre não mexe uma palha! São os mordomos quem se organizam, convidam-se uns aos outros, têm o trabalho de andarem com a cruz pelas casas, calcorreando a freguesia de manhã à noite, ainda gastam largas dezenas de Euros com o almoço e jantar, sim porque em muitas freguesias o Pároco nem isso oferece a quem anda a trabalhar para ele, e no final, cada responsável entrega-lhe o seu cesto com os envelopes. Depois para o Pároco, é só contar as notas! Tudo isso sem trabalho absolutamente nenhum.
Imaginem se esta prática fosse transportada para o mercado de trabalho. Era claramente um regime de escravatura. As pessoas trabalham, perdem o seu Domingo, estão sujeitas a um desgaste físico e emocional muito duro, ouvem por vezes o que não querem, e no final ainda pagam os almoços, e vão entregar de mão beijada vários milhares de Euros a uma só pessoa.
Agora, eu pergunto a todos aqueles que despendem o seu tempo nesta prática.
No final do vosso dia, em que tiveram um esforço enorme, em que foram uns heróis, porque deram o melhor de vocês, para que as coisas corressem bem, a quem é que vão beneficiar?
A freguesia? A comunidade? Vão ajudar os que estão a passar por dificuldades? Aqueles que estão a sentir na pele os efeitos da crise?
Não. Nem sequer precisava de dizer, todos já sabem. Este vosso trabalho, vai beneficiar única exclusivamente o pároco da freguesia.
Sim. Aquele que já tem uma profissão remunerada, e que se tivesse um pingo de vergonha que seja, não aceitava receber um tostão da sua missão de Padre, porque da mesma forma que ele neste caso seria Pároco em regime de voluntariado, aqueles fiéis que se esforçam, e que fazem o trabalho todo ao senhor Padre, também não recebem um tostão.
Os Párocos só deveriam receber dinheiro da sua actividade, caso não tivessem um emprego.
Não me venham dizer que um pároco trabalha mais do que os leigos que dão o corpo ao manifesto! Então se mesmo neste Domingo de Páscoa, o Padre está tranquilamente em sua casa, enquanto o leigo anda dar o peito às balas, podemos dizer que o Padre trabalha?
Pensando bem, isto não vos parece escandaloso?
Eu sei que todos estes meus irmãos que trabalham para benefício do Pároco, são pessoas de bem, são empenhadas, querem fazer o melhor, acreditam que estão a ajudar a freguesia, não tenho dúvidas que estão imbuídos das melhores intenções.
Mas sem que vocês se apercebam, não estão a contribuir para nada. Estão apenas a trabalhar para um só homem que já está podre de rico, e que não precisa mais de dinheiro, já tem tanto!
Por outro lado, não estão a agradar a Deus. Deixem que vos diga isto.
Agradar a Deus seria usarem esse esforço enorme e heróico para poderem ajudar aqueles que precisam mais da vossa ajuda.
Alguns dir-me-ão. Mas muitos precisam de ajuda porque querem! Eu concordo em absoluto com essa ideia. Bem sei que em muitos casos, a pobreza advém do facto de as pessoas serem pobres de espírito, não gerirem bem os recursos que têm, gastarem indevidamente, apesar de viverem de subsídios, fazem aquilo que na gíria se chama Vida de Lorde. Mas meus irmãos, vamos ser coerentes. Se muita dessa gente o que precisa não é de dinheiro, mas sim de ajuda para aprenderem a orientar a sua vida e a governá-la melhor, os Párocos para quem vocês trabalham, também não precisam. Esses estão muito melhores do que vocês próprios, porque enquanto muitos de vocês que fazem com que a visita pascal aconteça, vivem com dificuldades, não ganham um salário chorudo, são chefes de família, precisam de gerir o orçamento familiar até ao último tostão, os párocos ganham muito mais do que vocês, não têm família para sustentar, não têm renda de casa para pagar, e não tão poucas vezes, quando chegar a hora de eles partirem, o dinheiro fica por aí não se sabe bem nas mãos de quem, certamente nos herdeiros, que podem ser sobrinhos ou similares. E olhem que não é assim tão pouco como isso, muitas vezes são larguíssimos milhares de euros.
E ainda voltando à ajuda a quem está em situação pior, eu relembro que nem só de dinheiro vive o homem! Antes pelo contrário. Quantas pessoas nas nossas freguesias não vivem sozinhas? Quantos acamados não existem? E será que por exemplo no Domingo de Páscoa essas pessoas não precisavam de uma palavra amiga? De companhia? De carinho? De compreensão? Não só neste dia, mas todos os dias. Mas uma vez que estou a falar do Domingo de Páscoa, só pergunto. Essa também não é uma forma de ajudar?
É pena, que todos estes meus irmãos, que são pessoas de bem, voluntariosas, generosas, amigas, companheiras, ainda não se tenham desprendido deste culto aos párocos, em que eles mandam, decidem, cortam e talham a seu belo prazer, e os outros só têm de obedecer, e mais importante, trabalhar, e no final entregar o resultado ao todo poderoso Senhor Padre.
O Pároco não tem o dom especial de Deus para enriquecer desta forma. Se Deus fosse assim, então melhor seria que o começássemos já a pôr de parte das nossas vidas. Felizmente Deus está contra isto, Ele não abençoa esses padres que mais parecem banqueiros, máquinas de fazer dinheiro. Esses irmãos párocos estão a ser totalmente contra Deus, isto apesar de quando terem sido ordenados formularam votos de pobreza.
Já viram como eles fazem precisamente o contrário?
Para terminar, deixo esta ideia síntese.
A festa em si é muito bonita. As famílias reúnem-se, há um convívio muito salutar, fazem falta estas celebrações. O que não posso concordar é que o dinheiro, sempre o dinheiro, seja o principal das comemorações, e que a pretexto da falsa tradição, um só homem, engorde estúpida e escandalosamente a sua respectiva conta bancária.
Se retirassem os envelopes. Se toda esta festa fosse feita de graça, só com a boa vontade dos meus irmãos que querem ajudar, aí eu cantava e dançava de alegria.
Se nesse dia, na casa dos doentes e oprimidos, a Páscoa se celebrasse mais demoradamente, se os vizinhos fossem também fazer a festa, lá onde há tristeza e solidão, que grande Páscoa seria. Como Deus ficaria contente connosco.
Vamos a isso?
Então, até para o ano.
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