A burrocracia no seu melhor
Uma das grandes reformas que este governo faz questão de exaltar, é o simplex na administração pública.
Noutro dia deparei-me com uma situação, que infeliz e dramaticamente é exactamente o contrário desse termo, muito caro ao nosso primeiro-ministro, na qual, e depois de vos narrar esta história, só poderão apelidá-la de dificultex, e nunca de simplex.
Os pais, para declararem os rendimentos, procedimento obrigatório caso se candidatem ao subsídio de abono para os seus filhos, têm de realizar os seguintes procedimentos.
Vamos partir do princípio que é a primeira vez que um pai se está a candidatar.
Então, ele tem de ter um acesso ao site da segurança social directa.
Deve ir ao site, pedir uma senha, que vai ser enviada para casa da pessoa no prazo de oito dias úteis.
Mas à um problema. Se for um cartão de beneficiário actualizado, que contenha onze dígitos, tudo bem. Se for um antigo que apenas tenha nove, aí é que a coisa fica preta.
Tem de ir à Segurança social, actualizar o seu cartão, esperar que novo cartão lhe chegue a casa, voltar a ir ao site e pedir a senha de acesso. Isto é coisa para 20 dias a correr bem!
Dirme-ão. Mas a onde está o problema?
É muito simples. É que temos muita gente que está a receber cartas destas em casa, e têm um prazo muito reduzido para declarar os rendimentos.
E é inadmissível que a pessoa não tenha a possibilidade de ir directamente a uma repartição da segurança social tratar do problema.
E a questão é que deixa passar a ideia que as coisas estão feitas para que muita gente não consiga entregar os rendimentos, e assim fica sem abono. O estado já disse que pretendia poupar noventa milhões de euros até Dezembro! Só assim se justificam estas medidas.
Mas permitam-me dizer-vos que não se brinca com os pobres. Aqueles que têm menos instrução e menos possibilidade de irem à Internet tratar da declaração dos rendimentos, são maioritariamente aqueles que vivem pior. Os outros de uma maneira ou de outra conseguem sempre arranjar solução, porque já estão habituados a esta vida.
O Estado, pode no final deste processo, esfregar as mãos de contente, porque conseguiu poupar uns milhões, mas devia estar com a consciência pesada, uma vez que tirou a quem mais necessitava, e deu a quem não quer trabalhar.
Não falo só neste caso do abono, falo também de muitas outras situações em que o estado está a burrocratizar, para fazer com que aqueles que são menos conhecedores destes meandros, possam ficar sem as prestações sociais, e assim poupam uns trocos. Mas a questão é que isto não passa por burrocratisar, mas sim por aumentar a fiscalização, tornando-a mais rigorosa, fazendo com que todos os cidadãos beneficiários, possam saber que a segurança social, e o IEFP apoia efectivamente quem mais precisa.
Faço ainda outra questão pertinente. No caso de um deficiente, por exemplo um cego?
Vai receber a carta, e tem logo uma dificuldade que é lê-la. Podemos dizer que os cegos recebem todas as cartas em tinta, que não são só as da segurança social, e que as pessoas têm de se desenrascar.
Apesar de infelizmente isso não estar longe da verdade, convém reconhecer que existem honrosas excepções onde isso não sucede, e que os deficientes também são cidadãos de pleno direito.
Mas agora temos outras questões que não são assim tão banais, e que podem configurar uma clara discriminação.
Quando se vai a uma repartição da segurança social, as senhas não são disponibilizadas em braille, o que obriga também o cego a pedir a alguém para lhe ver um código que é suposto ser pessoal e intransmissível.
Mas o problema maior, reside no facto de termos muitos deficientes visuais que não têm acesso à Internet, e muitos que até podem aceder esporadicamente, não têm conhecimentos suficientes para proceder à entrega das declarações.
como tal, este facto de o estado apenas permitir fazer prova dos rendimentos através da Internet, é altamente criticável e injustificável. Estou certo que muita gente infelizmente vai ficar sem abono, por causa desta medida muito pouco social, isto apesar de vir do ministério do trabalho, da solidariedade e da segurança social!
Não é assim que se corta na despesa.
Como se vê, aqui temos o dificultex no seu melhor.
Era perfeitamente dispensável esta burrocracia.
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